UM CINEMA COM A CARA DO BRASIL

Deve estrear em breve o filme “Jardim das Folhas Sagradas”, do cineasta baiano Pola Ribeiro.Em sessão especial para a imprensa local, pude vê-lo e saí vivamente encantado por muitos aspectos que não encontro no cinema que se faz atualmente no país.
Para os olhares mais apressados, o “Jardim” pode parecer apenas um filme feito sobre o Candomblé, seus rituais, mistérios e até polaridades internas.Mas eu lhe peço, desde já, que se desarme de qualquer preconceito( se é outro o seu credo) e dirija ao filme o olhar humano e inteligente que merece toda grande obra de arte.Não há dúvida de que o povo negro da Bahia e sua cultura religiosa ocupam a centralidade da trama que, no entanto, traz outros temas que pontilham nosso debate contemporâneo e dizem respeito ao tipo de organização social que queremos e à sustentabilidade do planeta em que moramos: a intolerância religiosa, o racismo e a relação profunda entre religião e natureza permeiam a história, disfarçados de tramas secundárias, mas, apenas, “disfarçados”.
O “Jardim das Folhas Sagradas” é filme para encher os olhos.Se Pola Ribeiro apenas fixasse a câmera na direção de todos os desdobramentos de um ritual de matriz africana, já teria “cinema transcendental” para oferecer ao nosso olhar.As danças, o colorido de pessoas e roupas,a beleza natural dos cenários e cenas, uma cultura viva no seu momento sagrado, por si sós já fariam a grandeza de um documentário imperdível.Mas Pola conta-nos muitas histórias, dentro de uma história maior, que informa e encanta.
Saí da sessão com a sensação de que, guardadas as proporções,O Jardim das Folhas Sagradas revela uma “coragem de autor” semelhante à “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Gláuber Rocha.Ambos desvelam um Brasil, se não desconhecido da maioria, com certeza olvidado pelos que se escusam a reconhecer e assumir sua profunda identidade cultural.
E em tempos de “Tea Party”, “Frente Nacional Francesa”, “Liga Norte”, “Islamofobia”, prática explícita de intolerância religiosa e racial no Brasil, nada melhor do que afirmarmos a pluralidade de nossas origens e, dentre elas, aquela que ficou escanteada por séculos, na tela da TV,na universidade, no cinema e na consciência nacional.A matriz-mãe de nossa diversidade.
O Jardim das Folhas Sagradas é narrativa que prende o olhar do primeiro ao último minuto; é cine-poesia da mais alta beleza e dignidade.Longe do superficialismo dos blockbusters estrangeiros e das comédias-Globo Filmes, comunica-nos um Brasil negro e profundo que, no final das contas, somos nós mesmos.

Fonte: http://www.jorgeportugal.com.br/blog/