MILAGRES DO CURUZU

Fiz uma viagem de alguns dias ao pequeno país do Curuzu, Liberdade, apenas para que a vida me dissesse que ainda tenho muito a aprender.Lá, mergulhei em um mundo que nem supomos existir mais ou que continuamos a conhecer nos sonhos das teorias mais generosas.

No coração do Curuzu, fui acolhido pela comunidade VodunZo, com todas as pompas de um Vaticano negro, pelo coração do Doté Amilton Costa, líder sócioespiritual do lugar.Confesso a vocês: não houve um só minuto, de todos em que estive lá, em que não me lembrasse – vivenciando – a frase magistral de Jorge Amado, ecoada em música por Caetano: “Quem é ateu e viu milagres como eu…”

No entra e sai de pessoas que visitam diariamente o VodunZo, e ante a vista de alguém trabalhando, a frase mais ouvida é: “quéajudaaê? Quer ajuda aí?, em boníssimo baianês. Difícil pensar numa frase dessa, com tanta constância, em nosso mundo de individualismo e pressa.

Lá conheci também a fina flor de uma juventude negra e negro-mestiça, na faixa etária entre 18 e 24 anos ( a faixa do extermínio pela polícia e pelas drogas), que atravessa a vida confiante e garbosamente, apesar de tanto “não”, que têm que ouvir e viver.São jovens mestres de capoeira, mestres de percussão, ogãs orgulhosos dos seus Voduns, mas atentos ao mundo da informação e da tecnologia.A escola não foi boa;as condições de moradia não foram e nem são das melhores; os empregos, longe do ideal.Mas discutem com ardor cenas do filme “O Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro” e quase todos – raras exceções – ainda têm o sonho do ensino superior no horizonte.Muitos já conhecem vários países do mundo, como Bugalu, um “negro-fashion” de 1,87m e 120Kg, dono de um sorriso capaz de iluminar a Liberdade inteira. Esses garotos e garotas são as novas majestades de um lugar já celebrado pelo Ylê Aiê, mas representam hoje, no Curuzu, um novo caminho, um novo sentido e uma nova voz.

Foram marcados para perder, mas deram a volta e estão fazendo valer o sonho e a vida.Eis o milagre: milagre do povo.

Jorge Portugal, educador e poeta.
E-mail: secretaria@jorgeportugal.com.br